quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Sem luxo, sem distrações, sem parar: Scheidt quer evoluir até Londres-2012

Bicampeão olímpico se diz apaixonado pela vela e, apesar de favorito ao ouro na classe Star, não pensa nos recordes que pode igualar nas Olimpíadas

Por Alexandre Cossenza Direto de Búzios, RJ
Dizer que "um atleta não sabe parar" é uma referência a alguém que já deveria ter se aposentado. Quase sempre. É possível, por exemplo, transportar a expressão para o mundo da vela e falar de Robert Scheidt. A diferença é que o iatista bicampeão olímpico não sabe ficar parado. Aos 38 anos, o paulista não pensa em recordes nem passa tempo demais lembrando de seus feitos - que foram muitos. Ao vencer todas as regatas da Semana Brasileira de Vela, em Búzios (RJ), ao lado do proeiro Bruno Prada, Scheidt só tinha um verbo para conjugar: "evoluir", o mesmo que repete desde sempre.
Robert Scheidt e Bruno Prada comemoram vitória na vela (Foto:  Fred Hoffmann / Divulgação)Robert Scheidt (à dir.) e Bruno Prada comemoram a vitória em Búzios (Foto: Fred Hoffmann / Divulgação)
- O que me motiva muito é a evolução. Evolução técnica, evolução física, o entrosamento... Saber que, hoje, a gente é uma dupla melhor do que era no passado. Saber que a gente daqui a um mês pode ter aprendido mais alguma coisa. O resultado final, a medalha olímpica ou um título mundial, deixa você feliz, mas é naquele dia, naquela semana. Depois, você já está pensando em outro objetivo. Eu sinto prazer por isso: poder evoluir, melhorar - prega.
Foi assim durante toda a carreira. Scheidt nunca ficou parado. Campeão olímpico na classe Laser em Atlanta/1996, o Alemão sofreu um de seus revezes mais duros em Sydney/2000, quando foi superado pelo britânico Ben Ainslie e teve de se contentar com a prata. Hoje, o iatista diz que não leva sensações negativas de suas derrotas, mas admite que levou alguns meses para digerir aquela última regata na Austrália. A resposta veio em Atenas/2004, com outro ouro na classe Laser - com 13 pontos de vantagem sobre o segundo colocado.
Scheidt seguiu sem parar e trocou a Laser pela Star, uma classe que lhe permitiria mais longevidade. Para a nova empreitada, juntou-se ao proeiro Bruno Prada pouco depois de Atenas. A dupla tomou o lugar de Torben Grael e Marcelo Ferreira e foi a Pequim/2008, de onde voltou, não tão satisfeita, com a prata. Os dois ainda queriam - e conseguiriam - evoluir.
Ainda é muito prazerosa para mim a sensação de velejar. Gosto de usar a força do vento, de conduzir um barco. Gosto da estratégia de uma regata, que mexe muito não só com o físico, mas muito com o mental"
Robert Scheidt
- No ciclo olímpico de Pequim, éramos dois velejadores, um de Laser e outro de Finn, tentando velejar de Star. Neste ciclo (de Londres/2012), a gente virou velejador de Star. A gente usou todos os tipos de barco, todos os tipos de vela. Hoje, temos uma companhia que faz velas exclusivas, que a gente desenvolve. Ninguém mais tem. Acabamos melhorando muito, aprendendo a escolher o equipamento, a regular o barco para cada tipo de condição - explica Prada.
O proeiro diz que o treinamento foi como o de artistas circenses: repetir mil vezes para não errar. "E isso não vai garantir que você não vai errar. É só estatística", ressalta, dizendo ainda que o mais importante é treinar sob pressão, com um parceiro exigente. A rotina de treinos e preparação física não incomoda. No fim da tarde, com o Iate Clube de Búzios quase vazio, Scheidt aparecia só de sunga para nadar. Um hábito que vem da época da Laser e que está incorporado à planilha de treinos. E que torna-se mais prazeroso em águas buzianas: "Aqui é uma água quente, deliciosa para nadar, limpa. Na Europa não posso fazer isso". Poucas coisas tiram o bicampeão olímpico do sério. E ele é rápido ao enumerá-las quando indagado:
- Não gosto do trânsito em São Paulo, não gosto de fila, não gosto de burocracia. Eu gosto de fazer as coisas rápido, gosto de gente pró-ativa, gosto de agilidade. Enfim...
Citado como exemplo de comportamento por iatistas mais jovens, como João Hackerott, de 22 anos, vice-campeão em Búzios na Laser, e Jorge Zarif, de 19, que representará o Brasil em Londres na classe Finn, Scheidt não é ligado ao luxo. Em Búzios, ficou hospedado na mesma pousada que os outros competidores. Seus trajes são simples. Durante a competição, varia entre a sunga da natação e a camisa amarela do Banco do Brasil, seu patrocinador. Na festa pós título, em uma badalada casa noturna da cidade, apareceu com camisa e bermuda. Nada de relógios ou adereços chamativos. O mais próximo de extravagância a que Scheidt se dá direito é um pedido aos organizadores.
- A única coisa que às vezes peço é para ficar em um quarto sozinho. Às vezes você dorme com um cara que ronca, outro que sai à noite e chega mais tarde... Eu gosto de ter um pouco de privacidade. Não sou ligado a luxo. Pra mim, ter uma cama boa para dormir está ótimo.
Robert Scheidt Bruno Prada vela Búzios Star (Foto: Divulgação / Fred Hoffmann)Robert Scheidt e Bruno Prada vão a Londres/2012 com status de favoritos ao ouro (Divulgação / Fred Hoffmann)
Foco no objetivo mais próximo
Campeões mundiais em Perth (Austrália) e líderes do ranking da Star, Scheidt e Prada chegarão a Londres como grandes favoritos. Em caso de pódio, Scheidt conquistará sua quinta medalha e se igualará a Torben Grael como maior atleta olímpico do Brasil (em número de medalhas). Torben, atualmente, também lidera a lista de atleta com mais medalhas em Olimpíadas. Scheidt, porém, fala nas marcas como distração.
- Eu e o Bruno queremos uma medalha. A gente não está pensando muito em quebra de recordes. Isso tira um pouquinho o foco do atleta. Em lembro em Sydney, quando o pessoal falava muito do bicampeonato olímpico para mim. Isso acaba atrapalhando um pouco. Eu quero pensar em chegar em Londres e fazer o meu melhor. Se isso for um recorde, ótimo.
O mesmo tipo de resposta é dado quando o assunto é Rio/2016:
- Primeiro Londres, né? Depois, o Rio. Vamos por etapas.
Scheidt ainda trata a edição brasileira dos Jogos como um sonho distante, mas não é difícil imaginá-lo competindo em águas cariocas. Ou em qualquer outro mar. Acima de tudo, o paulista se diz um apaixonado pelo iatismo.
- Ainda é muito prazerosa para mim a sensação de velejar. Gosto de usar a força do vento, de conduzir um barco. Gosto da parte da estratégia de uma regata, que mexe muito não só com o físico, mas muito com o mental. A vela é um esporte que te leva para muitos lugares do mundo. Você veleja em lugares paradisíacos. É um estilo de vida bacana, gosto dele. Então, enquanto a gente for competitivo, a gente quer continuar assim.

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